quarta-feira, março 31, 2010

COMO EVITAR FILMES CHATOS

Como cineasta pretensioso é como cocô em córrego, tem de monte, presto aqui um serviço de utilidade pública, explícito no título deste post. Para isso, vamos usar como exemplo o filme “Insolação”, que estreou recentemente.

A sinopse
Insolação é descrito dessa forma: “Numa cidade vazia, castigada pelo sol, jovens e velhos confundem a sensação febril da insolação com o início delicado da paixão. Como espectros, eles vagam entre construções e descampados em busca do amor inalcançável."

Aprenda: quando se fala em personagens que “vagam”, ou, pior, “cujos destinos se cruzam”, batata, o filme não tem um roteiro que preste e o diretor achou melhor botar todo mundo andando para lá e para cá para ver se passa o tempo. 90% dos filmes iranianos se revelam nessa hora.

O trailer
Esse é infalível. Trailer de filme chato tem sempre trilha de pianinho. E várias cenas com foco nos olhares silenciosos dos personagens. Eles olham fixo para algo durante vários segundos, quietos, como se o peso do mundo estivesse em suas costas. Geralmente você tem vontade de cortar os pulsos depois de 30 segundos. Confira:



Os personagens
Entre os personagens de Insolação temos um escritor, uma ninfomaníaca, um garoto apaixonado e um arquiteto fracassado. Ficaram faltando o sociólogo, a empregada, uma mulinha e o Selton Mello.

Veja, se o filme é brasileiro e os personagens não são favelados, um dos protagonistas fatalmente será um escritor ou cineasta, prova cabal do curto alcance temático de nossos diretores. Enfim, não existem bancários e farmacêuticos no cinema nacional.

A resenha
Por sorte, nossos críticos são tão pedantes quanto nossos cineastas. Basta ler umas duas resenhas do filme para calcular o grau de pretensão da película. A resenha de Insolação na Folha de São Paulo diz que “a narrativa é rarefeita, avança aos sabores de esparsos encontros e silêncios intermináveis”. Precisa dizer mais? Trata-se, obviamente, de mais um cineasta com complexo de Antonioni.

As entrevistas
Cineastas costumam se trair nas entrevistas. Toda vez que algum deles diz que o seu filme “não faz concessões” ou que “exige envolvimento do espectador”, entenda o seguinte: o filme é chato. Pra cacete. Ao falar de Insolação, Felipe Hirch afirmou que se inspirou na literatura russa (modesto, não?). E tratou de citar Goddard, James Joyce e Oscar Wilde em suas entrevistas (duvida? Leia aqui).

É muito difícil os diretores segurarem o ego. Em geral, bastam duas perguntas para os reais interesses transbordarem nas entrevistas: posar de bacana, descolar um prêmio e a verba para o próximo projeto.

Usando esses métodos simples, uma pessoa minimamente consciente passa longe de Insolação. Ou de filmes do Júlio Bressane. Acredite, é fácil assim.

Marcadores:

sexta-feira, março 26, 2010

UM BRASILEIRO EM BUENOS AIRES – PARTE 2

Tem gente que se gaba de viajar para a Europa, EUA, esses lugares desenvolvidos onde todas as pessoas têm água encanada e ninguém sabe o que é dengue. Mas o legal é visitar países tão ou mais na merda que o Brasil. Faz a gente se sentir menos sozinho.

A Argentina tem um nível de desenvolvimento parecido com o do Brasil: tem celular moderno e shopping, mas é bom deixar de lado algumas questões “insignificantes” como Segurança e Saúde Pública para evitar decepções. No hotel tem um manual para você não ser enganado por taxistas. Pelo menos são sinceros.

O divertido é ver que Brasil e Argentina se igualam nas suas ilusões. Os dois países copiam (mal) um modelo externo: nós copiamos os americanos e eles os europeus. Nós insistimos que temos um futuro. Eles acham que tiveram um passado.

Ilusão é um ingrediente básico da América do Sul, assim como comida pesada. Vai ver esse é o segredo do subdesenvolvimento. Brasileiros curtem feijoada e argentinos comem parrilla. Se nós fôssemos mais fãs de suflê e sushi talvez sobrasse mais tempo para a gente erguer uma civilização, em vez de ficar esparramado na rede digerindo carboidratos. Ok, a comida alemã e a italiana também são pesadas. Talvez essa seja a explicação para Hitler e Mussolini.

Em ambos os casos, temos dois povos que adoram ser enganados por salvadores da pátria. Eles ainda choram por Evita. E aqui tem gente que gosta de chamar Getúlio de grande estadista. Ser sul americano também implica ter miopia ideológica, ao que parece.

Mas eu me apeguei à Argentina. O país é um inferno para os vegetarianos. Come-se carne às pampas (sem trocadilho). Gaúchos se dizem reis do churrasco. Desculpa, tchê, mas vocês perdem feio para os hermanos. Lá não tem nada daquela viadagem de ficar comendo lascas de carne e tomar mate quente. O que interessa é a carne, que vem em tijolos de meio quilo. O resto é acompanhamento. Que se resume a batata ou um legumezinho. Os caras não sabem o que é dieta.

Os argentinos também são mais educados. A palavra “gracias” não entrou em desuso, ao contrário do nosso saudoso “obrigado”. E eles se vestem melhor do que nós. Se você pega um cara com camiseta Hering e chinelo na rua, pode apostar: é brasileiro. Ok, toda argentina coroa fica a cara da Cristina Kirchner. E todo argentino velho é a cara do João Havelange. Não se pode ter elegância sem apelar para a breguice.

Na verdade, eles têm uma estranha noção de beleza. Um vendedor de rua tentou me vender um casaco de couro. Era para ficar bonito e elegante, “como su presidente, el Lula, compreende?” Ou o cara tava tirando sarro ou precisa urgentemente rever seus conceitos estéticos.

Tem muita coisa legal para ver em Buenos Aires, como os shows de tango – algo tão cafona quanto os shows do Sargentelli, mas só que com mais roupa. Tem também a Casa Rosada, o único palácio governamental GLS do mundo. Fica no centro da cidade, em vez de no meio do nada, como os palácios de Brasília. E as pessoas tomam sol no gramado do palácio, sem crise. Democracia é isso, o resto é filme do Glauber Rocha.

Voltei para o Brasil com saudades. E câimbra na língua - passar uma semana enrolando a língua para falar portunhol é dose!

Marcadores:

quarta-feira, março 17, 2010

UM BRASILEIRO EM BUENOS AIRES – PARTE 1

Sim, leitores, demorei para escrever. Estava digerindo as toneladas de ojo de bife que comi na Argentina. E, no mais, eu tenho uma vida além do blog, caceta!

Essa rixa velha entre Brasil e Argentina é igual a duas faveladas que brigam para ver quem tem a caixa de OMO mais nova ao lado do tanque. Somos todos moradores da várzea. A Argentina é muito parecida com o Brasil: o mesmo péssimo gosto para governantes, ônibus velhos e camelôs. A diferença é que eles têm vinhos melhores. E nós temos o queijo catupiry. E dai? Comida não paga a conta do FMI.

Buenos Aires é bem bacana, tem charme. E os argentinos tratam bem os turistas brasileiros. Mas a verdade é que eles até têm razão para nos odiar. Estamos invadindo o país dos caras. E fazendo presepada, como é o nosso costume. Eles estranham, querem ter aquela impressão de que Buenos Aires é Paris. Mas a gente vai lá e carnavaliza tudo.

Fui com amigos brasileiros a um restaurante em Boca. Os argentinos comiam enquanto assistiam a um jogo do River. E a gente tocando o bordel, gritando, cantando boleros, o cacete. Na saída, ouvi uma senhora comentar: "São como Gremlins, se reproduzem." Quem pode culpá-la? O brasileiro educado que não faz barulho é lenda, com exceção daqueles internados em UTI.

Mas não para por ai. Fui a uma loja de departamentos e o sistema de som tocava Guilherme Arantes: “Cheia de charme/ um desejo enorme...” Isso já seria assustador no Brasil, imagine na Argentina. Em Caminito (uma mistura da Vila Madalena paulista com a Lapa carioca, mas sem o vendedor de poesia esmolando), uma barraca insistia em tocar Adriana Calcanhoto. E Buenos Aires estava cheia de cartazes anunciando um show de Caetano Veloso. Imagino a retaliação dos argentinos: vão mandar o Fito Paez fazer turnê no Brasil, só de raiva.

Tentei me adaptar aos caras. Troquei o boné pelo chapéu. E tentei dançar tango com uma dançarina de rua – dançarina de tango em Buenos Aires é como baiana do acarajé em Salvador: dá em árvore. O resultado foi uma hérnia de disco. Esse é o grande segredo de países latinos: inventar danças que torçam a espinha de pessoas sem suingue. Ou seja, alemães, americanos e paulistas com falta de ritmo e problemas de coordenação nas pernas. O tango é a dancinha da garrafa versão portenha: as músicas têm letras e melodias bem melhores, mas quem quiser curtir também precisa apresentar um atestado do ortopedista antes.

Aliás, esse lance de cultuar o tango pode dar uma impressão errada. O turista desavisado pode achar que todo argentino ouve Carlos Gardel, o que é mentira. Eles ouvem as mesmas merdas enlatadas que nós, brasileiros: rock nacional (ruim) e Beyoncé. O tango é como a bossa nova: não produz nada de novo há décadas, mas é bonito de mostrar para turista. Eles devem ter lá seus cantores que lançam compilações picaretas para “atualizar o tango”, tipo “Ney Matogrosso canta samba”, saca? Mas esses artistas não enganam ninguém, só os críticos – crítico cultural besta como os da Revista Bravo tem em todo lugar, você sabe.

Em breve (mesmo), mais aventuras portenhas. E um
bife de chorizo, porque ninguém é de ferro.

Marcadores: